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Trabalho, celebração e descanso!

  • Foto do escritor: Valdir Steuernagel
    Valdir Steuernagel
  • 10 de ago. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de mar. de 2023

No princípio Deus criou os céus e a terra . . .

Assim foram concluídos os céus e a terra, e tudo o que neles há. (Gn 1:1, 2:1-1)


Uma coisa que nem eu nem minha esposa sabemos fazer é dançar. Somos, ambos, filhos da “cultura do joelho duro”. A Silêda, como nordestina bem brasileira, até teria mais ginga, mas a cultura missionária forânea lhe endureceu os joelhos ao insistir desde cedo que dançar é pecado. No meu caso a rigidez dos joelhos veio por duas veias: além da influência de uma cultura missionária similar, sou filho de uma cultura germânica que valoriza o trabalho muito acima da dança e onde se marcha muito mais do que se dança.


Revisando a minha história, vejo como este “jeito marcha” de viver acabou determinando um estilo de vida. Nele o trabalho, a conquista, a luta e a vitória são valores que se refletem em tudo o que se faz e determinam todas as relações que se vão construindo. A própria vida cristã vai sendo determinada por esses valores culturais e Deus é facilmente transformado num general para quem marchamos até morrer e que está sempre a exigir de nós a produção de frutos quantificáveis. E assim, marchamos!


O espírito de Deus se movia sobre a face das águas . . .

A conversa que vimos mantendo, nesta série, com o relato da criação em Gênesis me levou a uma descoberta surpreendente: Deus tem “joelhos maleáveis”! Ele não é um general de botas, mas sim uma presença que se move com graça e leveza e ocupa todos os espaços da nossa existência, dando a ela um novo ritmo. Quando ele fala, a vida brota. Sua realidade e sua palavra são a própria vida – vida que sorri com beleza e graça. Aliás, ele próprio se alegra e acha muito bom o que surge como fruto da sua presença-palavra.


Em todo o capítulo 1 de Gênesis, cada dia tem começo e fim: “Passaram-se a tarde e a manhã, esse foi o primeiro dia” (3) – e assim, sucessivamente, até o sexto dia. Cada dia registra o que Deus fez e a celebração está muito presente: “E Deus viu que ficou bom” (9, 12, 18, 21 e 25). Então, ao encerrar o sexto dia – aliás, um dia de trabalho exaustivo e muito peculiar, quando ele cria o ser humano – há um efusivo momento de celebração muito especial: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado MUITO BOM” (31).


Neste movimento criador de Deus vê-se que há um tempo para cada coisa e cada coisa é reconhecida e celebrada. Há um tempo para muito trabalho e trabalho duro, mas há também tempo para celebrar esse trabalho antes de mergulhar no próximo, assim como um tempo de descanso entre um trabalho e outro. Há, aliás, muito mais do que isso. Há, no final de seis dias de trabalho, uma grande celebração por tudo o que foi feito. Aí, então, entra-se num tempo significativo de descanso. E esse descanso dura um dia todo, um dia que recebe de Deus a bênção, tornando-o especial:


No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara,

e nesse dia descansou.

Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou,

porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação. (2:2-3)


Trabalho, celebração e descanso

Neste ação criadora de Deus percebem-se três dimensões de suma importância para a nossa vida: há tempo para o trabalho, tempo para a celebração e tempo para o descanso, assim como um belo movimento entre um e outro. Como bem expressa Eugene Peterson, “o ritmo da criação modela o ritmo da vida”. Assim somos convidados a perceber os movimentos da nossa própria vida e indagar se há nela suficiente espaço para cada uma dessas expressões que tornam a vida mais saudável, produtiva, bonita e até confortável. Deus trabalha, celebra e descansa. Assim, com seu próprio exemplo e num contínuo convite ao arrependimento, Ele nos ensina como levar uma vida melhor, mais sociável e mais digna, como veremos nos próximos artigos.


Quando, anos atrás, conheci a família da Silêda lá no Maranhão, eu levava na bagagem a minha cultura e os valores oriundos da minha Santa Catarina nativa. Logo estranhei o tanto de tempo que eles, como uma grande família, passavam cantando. No final do dia, faziam uma roda no quintal e o violão passava de mão em mão; e as músicas rolavam, entremeadas de “causos”, recordações e acontecimentos do dia. Confesso que eu não aguentava tanta cantoria; esse pessoal não tinha o que fazer?! E me refugiava nos livros, como costumo fazer diante do desconforto. A verdade é que, além de desconhecer as músicas que eles cantavam (por que gastar tempo aprendendo isso?), eu não sabia passar tempo assim. Não sabia celebrar. Eu sabia trabalhar, deixando a minha limitação vivencial muito evidente.


Hoje, passados muitos anos, ainda ouço a Silêda cantando ao telefone com o pai. Ele está avançado em idade e enfermo. Os anos de muito trabalho passaram e até a lucidez da mente teima em fugir, mas os hinos ficaram. Eles falam ao coração, trazem à memória o tempo de ontem e celebram a fidelidade de Deus no decorrer dos anos. Eu reconheço que ainda hoje tenho menos hinos a cantar, mas tive o enorme privilégio de cantar “Segura na mão de Deus” enquanto a minha mãe estava morrendo. Um enorme privilégio com que Deus tem me agraciado à medida que procuro discernir o mover do Espírito de Deus entre nós. Isso é muito bom!


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Publicado originalmente na Revista Ultimato, ed. 347

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